Orlando Castro no “Mar de Letras”

Orlando Castro no “Mar de Letras”

Saiu de Angola, mas Angola não saiu dele e é a este país que regressa nos seus escritos. Orlando Castro está de regresso ao Mar de Letras com um livro de poesia, marcado pela dor dos tempos em que foi obrigado a deixar o seu país, e com um livro de vivências pessoais com a UNITA, incluindo com Savimbi. Uma conversa a não perder no Mar de Letras desta semana.

Episódio 11 de 47 Duração: 33 min

  • 20 Mar 2024 — 21:30 — RTP África
  • 24 Mar 2024 — 06:30 — RTP África
  • 25 Mar 2024 — 02:30 — RTP África

Figueira da Foz esgota livros do “Sul”

Figueira da Foz esgota livros do “Sul”

24/02/2024 — Cinquenta anos após o 25 de Abril de 1974, o poeta António Manuel Monteiro Mendes apresentou o seu mais recente livro de poesia “Sul“, na Figueira da Foz. Terra que acolheu o autor como refugiado, em fuga à violência que escalou o processo de independência de Angola entre 1974 e 1975.

Álvaro Poeira é um pseudónimo de António Manuel Monteiro Mendes. O poeta nasceu no Mavoio, muito próximo de Maquela do Zombo e de Mbanza Kongo (São Salvador do Congo).

Na apresentação do livro “Sul” na Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho, estiveram na mesa de honra para além do autor e do editor da Perfil Criativo, os antigos colegas São Simão, José Veríssimo e Carlos Santos, director deste estabelecimento de ensino. Os antigos colegas do liceu encheram a sala e levaram praticamente todos os exemplares disponíveis.

Palavras do poeta no dia seguinte

Ontem.

No significado do que passou.

Do agradecimento que ficou.

Tantos amigos, tantos.

Ontem. Hoje.

Na amizade que perdurou.

No abraço que foi partilhado.

Tantos senhores, senhoras, meninos, meninas, tantos amores.

Amanhã.

A rotina regressa. A memória é uma seta.

Besta. Doença. Benção.

Todos são palavras de ontem.

Serão frases de amanhã.

Obrigado, muito obrigado aos meus amigos do recreio, pátio interior, corredor e salas de aulas.

Partilha de segredos de intenso valor.

Refúgio do amor.

Obrigado.

Sobraram dois. Dois livros.

Aquela geração é assim.

Um hino à amizade.

Figueira da Foz apresenta obra de poeta do Mavoio (Angola)

Figueira da Foz apresenta obra de poeta do Mavoio (Angola)

O autor, António Manuel Monteiro Mendes, e o editor da Perfil Criativo – Edições têm o gosto de convidar V. Ex.ª para a apresentação do livro “SUL“, de Álvaro Poeira, na Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho, no Sábado, 24 de Fevereiro de 2024, às 15h00.

O Outro Lado da Poesia

Nasci entre paredes cobertas no Miombo,

numa casa muito simples de cor branca, 

colocaram-me num cesto de verga em colchão 

almofadado, num país de Vales Verdes, 

Mandioca, Penhascos de Arenito, Imbondeiro, Múcua seu fruto inteiro.

*

Ali nascido, como diria mais tarde a poetisa, 

“de eu te dar sem tu dares(…)

morre o florir de mil pomares(…)

*

Cresci sem ver as Rosas de porcelana, 

fendas do Bimbe, o Morro Maluco 

só vi de longe nas viagens 

para Capunda-Cavilongo. 

Nunca aspirei a brisa molhada

das Quedas de Kalandula nem vi,

na copa das árvores 

o Macaco azul, nem as pedras 

em Pungoandongo.

*

Ali crescido, ainda não lido, como escreveu

outro poeta, “não me deixes perder o que me é,

acrescento eu, que por amor do outro lado, 

me foi dado”. 

*

Depois, numa madrugada ou manhã, 

de avião aterrei, num local onde meu pai e mãe

foram gerados, cada um em praias e rios, 

montes e montanhas separados…

*

Me abraçaram sem culpa nos seus olhos e, 

o poeta, de novo me deu alento, acenando-me que,

os meus pais o que queriam era um outro eu,  

o do outro lado da poesia, dito agora sem alarde

ao senhor, “que por eles, sim, 

vim decorar as águas dos seus rios com folhas 

deste Continente, agora, meu outono 

para sempre perturbado(…)

*

A Serra do Pingano, Rio Curoca, as halófitas,

Dunas brancas, Lírios d’agua da Lagoa 

dos Arcos, a Palanca Negra Gigante, Golungo 

e Boi-Cavalo, Zebra e Pacaças, que chegavam mortas,

atadas num jipe perto da minha casa, 

dividida a carne dos animais, por menos, 

por tantos outros mais. 

*

As Pedras Malachitas e Cupritos numa mina sita

na savana tropical molhada, a um sonho 

do Maiombe, longe das miragens do deserto, 

pedras semipreciosas ametistas outra vez mais 

a norte, miragens no asfalto a caminho 

do Porto pesqueiro do Pinda, 

mais a sul o Tômbwa.

*

Tudo isto é detalhe esculpido no meu rosto. 

*

Marcado a cinzel com bravura soube sempre. 

Uma escultura no Minho, Trás os Montes,

Beira Litoral, Baixa, vejo nos meus olhos

as velas na minha baía, errantes, sem ondas

de grande altura, morrendo breve, brevemente,

sem espuma, por acção do peito meu, que,

apesar da intensa espera, em quase nada

se pinta ou se altera.

*

Tenho a outra poesia numa escultura de ébano,

num coração retido no limiar de tanto rio,

nas margens da selva, e cresci assim, sem saber 

que um lá outra eira a do tio Joaquim,

me sentaria na beira descaroçando o milho.

*

A soberba dos projécteis disparados sem rigor 

mataram irmãos e meninos, mulheres

e homens para sempre cegos e feridos.

*

Cresci na leitura. 

No leito de uma cama nunca minha. 

Casas de berço foi só uma de vivência.

Corri o meu país de carro, comboio, barco

e avião e aí foi uma dezena, que, apesar

de pequeno me cedeu sementes de cultura.

*

Não me lembro de tudo, quase nada ficou,

apenas uma parte do nada de ti…

*

Nesse jogo, para lá da outra poesia, 

entre o mato, as picadas, mosquitos, animais 

de porte, lacraus e cobras verdes, fendas 

e massango, massambala, 

uma espécie de sorgo foi expulso. 

Numa tarde de vento quente quente 

imaginário, perto do fim da estação seca, 

fui escorraçado e na parte de trás 

de uma carrinha fiz uma última viagem 

como pendura.

Como refugiado.

*

Não sei como cresci…

*

Morri. 

Tenho a árvore da chuva que me dá água. 

*

O capim de sangue quase esgotado. 

Mas não, não posso dizer nada

sem o outro lado de um esgar, num poema,

ou um sufoco na garganta, uma convulsão

no peito, um som que não sai pela boca. Nada.

*

Escrevo a poesia, esta…de te amar,

vendo-te permanentemente sem te poder tocar.

ÁLVARO POEIRA

Comprar um livro é apoiar um autor

Álvaro Poeira*

Todos os textos são da autoria de António Manuel Monteiro Mendes, bem como os seus pseudónimos.

Nasceu em 1959. Numa pequena povoação no norte de Angola. Mavoio. Junto ao rio Tetelo. Filho de pais sem posses, mãe doméstica e pai serralheiro mecânico, viajou com eles e sua irmã, por Angola. Pouco tempo foi.

Em 1974, foi expulso da sua terra Natal.

Não conheceu a casa nem a terra onde a sua mãe o deu à luz. Veio como refugiado para Portugal. Quebrado.

Em estilhaços que ainda hoje tenta colar.

Tem três filhas de dois casamentos.

Viveu em tantas casas que só algumas retêm a sua memória.

Escreve desde sempre. Este é um pequeno grito de outros milhares que redigiu. Sabe, tem consciência que outros contos, lendas, prosas poéticas e poemas barafustar sob um Embondeiro,aclamando na sua justiça, pela identidade do autor, que aqui teriam lugar.

Não dá… Um dia, todas letras voarão por lá…

*Alberto Poeira e Álvaro Poeira, são pseudónimos de António Manuel Monteiro Mendes

Homenagem a Manuel Fonseca

Homenagem a Manuel Fonseca

Na próxima semana estes pequenos livros, carregados de poesia irreverente, chegam a Luanda.

NOTA DO EDITOR: JOÃO RICARDO RODRIGUES

Depois de termos publicado, na colecção “Poesia no Bolso”, a geração mais recente de poetas de Angola, decidimos, no início de 2024, dar voz a “Frei Maneco”, um pseudónimo de Manuel Fonseca de Victória Pereira, um poeta de humor e sarcasmo virtuais, com intervenção crua nas redes sociais, ao estilo de “Literatura de Cordel” (ler o texto de introdução “Uma Poesia Distópica para Míopes”, de E. Bonavena, na página 10).

Manuel Fonseca de Victória Pereira nasceu em 1958, ao Sul de Angola, em Moçâmedes, na Província do Namibe. Estudou no Instituto Superior de Ciências e Educação de Angola, foi professor, formador de professores e ocupou o cargo de vice-presidente no sindicato de professores de Angola, SINPROF

Tem sido uma voz inconformada, com uma incisiva intervenção política, fruto do seu principal lema de vida: “Servir a sociedade e os seus ideais e mudar o que puder dentro das minhas possibilidades”.

Faz parte da tradição da família Victória Pereira a intervenção política e cultural. Na memória colectiva fica a intervenção musical “”, de Manuel Fonseca no concerto “Liberdade JÁ”, pela libertação dos presos políticos na República de Angola, no Elinga Teatro, em Agosto de 2015.

Neste pequeno livro, isento de qualquer censura, encontramos também um conjunto alargado de desenhos — irreverentes — de Manuel Fonseca.

A publicação da obra de “Frei Maneco” é uma homenagem dos amigos da escola primária 55, amigos de sempre, Pedro Lara, Mário Ferrão, Mário Vaz e Victor Torres.

“Eu sou o doido d’Aldeia Global, 
Eu babo muito, mas não faço mal. 
Graças a mim, o mundo avança, 
E quando eu toco, todo o mundo dança.(…)”

FREI MANECO

Versos Sacanas” (Ed. 2024), de Frei Maneco

Gemma Almagro e Izaskun Barbarie conquistam público com palavras e música

Gemma Almagro e Izaskun Barbarie conquistam público com palavras e  música

Mais uma vez, Gemma Almagro e Izaskun Barbarie animaram o público em “Patas Arriba” na RAI-Associació Cultural, no centro de Barcelona, no dia 19 de Janeiro de 2024. Armadas, como sempre, com o melhor dos seus explosivos, a palavra e a música, conseguiram esgotar a sala e se entregar completamente a este espetáculo subversivo, divertido, crítico e profundo.

O público passou das gargalhadas a uma verdadeira emoção com a poesia de trincheira de Gemma Almagro e ovacionou a grande pianista Izaskun Barbarie nos seus extraordinários e originais solos no piano. “Patas Arriba” demonstrou, mais uma vez, que o circuito emotivo com que envolve os espectadores é capaz de combinar com o lado guerrilheiro e violento com a ternura e a emoção mais pura.

Patas Arriba – Alta comédia para pessoas ousadas” tornou-se uma sátira moderna sem precedentes, e suas duas integrantes formam, sem dúvida, a dupla mais sincrónica e disparatada do momento. Siga-as nas redes para não perder seus vídeos mais divertidos! @patasarriba21

Para saber mais aconselhamos a leitura, em castelhano, dos livros de Gemma Almagro:

Poesía de Trinchera – Altamar

Patas Arriba

Fragmento do espectáculo “A Terra e o Bairro” 

Fragmento do espectáculo “A Terra e o Bairro” 

Partilhamos com os nossos leitores a gravação em vídeo de um fragmento do espectáculo “La Terra y el Barrio”, de Ana Alfaro, Danilo Facelli e Hugo Martínez.

Video registado no Cabaret del Lokal de Risc do Ateneu Popular de 9Barris a 12 de fevereiro de 2022, onde é possível ouvir o poema “Tarde” e a música “Gallo Rojo Gallo Negro”.

Poema: Danilo Facelli; 

Voz: Ana Alfaro;

Guitarra: Hugo Martínez.

É uma oportunidade para seduzir os nossos leitores e amigos a conhecerem a poesia de Danilo Facelli, que publicou com a Perfil Criativo – Edições o livro “Material Inflamable. Veinte años extendiendo palabras en voz alta” (Ed. 2023).

“A Terra e o Bairro”

Espetáculo poético-musical em constante percurso, o planeta gira. A vida movimenta-se, pulsa, ocupando tudo, e todo o universo cabe numa xícara de café. Continuamos girando. Do outro lado do mundo, é noite, e alguém dança, alguém observa, alguém morre. Ao lado de casa, alguém morre, alguém observa, alguém dança, é dia.

A Terra e o Bairro é um espetáculo de poesia cénica com música e canto ao vivo, baseado no livro de poesia com o mesmo título escrito por Danilo Facelli e publicado pela Edicions Tremendes (Girona). Este livro aborda as verdades que podem ser intuídas quando se está em contato com a natureza selvagem (tanto no mundo vegetal e animal quanto na natureza selvagem das pessoas) e com o pequeno grande universo que é cada bairro. Entendendo o bairro como um terreno de resistência, comunicação e autogestão.

Gallo Rojo Gallo Negro 

Cuando canta el gallo negro
es que ya se acaba el día.
Si cantara el gallo rojo,
otro gallo cantaría
 
¡Ay! Si es que yo miento,
que el cantar de mi canto
lo borre el viento
 
¡Ay! Que desencanto,
si me borrara el viento
lo que yo canto.
 
Se encontraron en la arena
los dos gallos frente a frente.
El gallo negro era grande,
pero el rojo era valiente.
 
¡Ay! Si es que yo miento,
que el cantar de mi canto
lo borre el viento
 
Se miraron cara a cara
y atacó el negro primero.
El gallo rojo es valiente,
pero el negro es traicionero.
 
¡Ay! Si es que yo miento,
que el cantar de mi canto
lo borre el viento
 
Gallo negro, gallo negro,
gallo negro te lo advierto:
no se rinde un gallo rojo
más que cuando está ya muerto.
 
¡Ay! Si es que yo miento,
que el cantar de mi canto
lo borre el viento

A não perder: “Quem está preparado para viver?”

A não perder: “Quem está preparado para viver?”

“Quem está preparado para viver?
Qual é o limite entre a poesia e a vida?
O canto das palavras mudas, a dança… a neurociência não desvenda o mistério, embora tente.” 

Crisal Rodriguez

Com esta descrição, Crisal Rodriguez trará no dia 18 de janeiro de 2023, ao Café de Mar de Mataró (ao norte de Barcelona), o seu espectáculo com a participação do poeta Danilo Faceli, autor do livro “Material Inflamable. Veinte años extendiendo palabras en voz alta”. Danilo Faceli intervém com improvisações, poemas e factos do dia à dia, tudo acontecendo no momento em que entra em cena.

Crisal Rodriguez é uma poetisa cénica e performer. Uma neurocientista que fugiu da Academia. Reconhecida na cena da poesia cénica europeia, esta artista entrelaça a arte, a ciência e a contemplação, propondo novas narrativas mais sensíveis à vida, a partir da neurociência corporal. Actua regularmente em competições de Poetry Slam e participou em diversos festivais e exposições.

Material Inflamable. Veinte años extendiendo palabras en voz alta

Sobre esta obra Danilo Faceli afirma: “O pouco que posso dizer sobre os textos que compõem Material Inflamável é que, depois de recitá-los ou lê-los em voz alta, por um lado, me sinto melhor e, por outro, ocorre um acto comunicativo com o público que vai muito para além da troca de informações. Algo se move no grupo que formamos, e esse movimento gera uma sensação mais agradável do que a que existia antes de começar o recital. Assim, colocar em prática as palavras resulta numa melhoria colectiva. Essa é a razão principal pela qual continuo escrevendo.”

A não perder: Guerrilha poético-musical “Patas Arriba”

A não perder: Guerrilha poético-musical “Patas Arriba”

A ‘Plataforma de projectos para a transformação social’ acolhe a comédia para gente atrevida “Patas Arriba”, das surpreendentes e irreverentes artistas, Izaskun Barbàrie e Gemma Almagro, na noite de 19 de Janeiro 2024, no centro da cidade de Barcelona.

Dizem que “Patas arriba” não é um recital comum. É um espectáculo irreverente que combina as composições de piano de Izaskun Barbàrie com a rapsódia de Gemma Almagro a falar, cantar e improvisar sobre as mulheres, o ser humano, a poesia doméstica, o feminismo, o erotismo, a vida… Uma guerrilha poético-musical sem filtros nem moralismos que atinge diretamente o coração e o espírito crítico, contando com a cumplicidade do público. 

RAI – Recursos d’Animació Intercultural

A RAI é uma associação independente que actua como uma plataforma de projetos para a transformação social, cultural e educativa. Oferece uma ampla gama de recursos e iniciativas por meio da interculturalidade, antirracismo, feminismo, participação ativa, autonomia e “empoderamento” individual e colectivo.

Funciona também como um espaço de co-criação artística, mas também de reflexão e agregação capaz de criar sinergias e promover a participação.

Está instalada na C/ Carders 12 principal 08003 Barcelona 

Patas Arriba

Patas Arriba” é também um livro de poesia com a primeira edição (esgotada), publicado em 2022, ficando a segunda edição disponível em Barcelona e Lisboa a partir do primeiro dia de Fevereiro de 2024.

Lo que nos pasa es el tiempo,
el tiempo que nos ha tocado,
hermanas queridas.
Nos pasa que es tiempo de prisas
y de mostrarse
y de no saber qué somos
pero tener que aparentar.
Nos tocó un tiempo moderno,
dicen,
pero llevamos tatuados los mandatos
de un pasado hostil,
de mujeres reventadas de injusticias
que se vieron con la enorme responsabilidad
de educarnos.
A nosotras, sus crías.
A nosotras que nacimos con las venas empapadas
ya de sudor
de tanta fuerza que vinimos a hacer,
de tanto que hemos venido a luchar,
de tanto carro por empujar.
Nosotras vamos a vivir esta fiesta de disfraces
quitándonos las máscaras por vez primera.
Honraremos a nuestras preciosas madres
rompiendo a machetazos estas pesadas cadenas
y las de nuestres hijes.
Y pondremos patas arriba 
un tiempo que no nos toca.


1 2