“Identitarismos com cheiro de exclusão e de sangue”
TEXTO DE RAIMUNDO SALVADOR
“E Agora Quem Avança Somos Nós “. Título da mais recente proposta literária do Jonuel Gonçalves . Um livro, brasileiramente falando, para ler de sopetão.
Texto denso, uma encruzilhada de personagens e histórias pejadas de notas aparentemente ou inicialmente dissonantes que se entrecruzam em nós que sufocam, em laços, preconceitos e dogmas.
Romance andarilho que em 150 páginas nos transporta por vários países. Angola, a terra do personagem principal, órfão adolescente, filho de portugueses, apanhado na espiral dos lancinantes momentos da Independência
Namíbia o país em que por força de um acaso, João Baptista, a figura central vai lá parar. Época do apartheid. É encontrado numa praia e tem o primeiro contacto com a ignobilidade do regime.
O seu benfeitor, um otchivambo, avisou-lhe que só escondido poderia ficar na sua casa. Relações de proximidade entre brancos e negros eram criminalizadas.
O Brasil também está presente. Angola, pois claro, país que acolhia bases da Swapo, organização em que João e seus amigos militaram.
E o Senegal, tão longínquo e afinal tão próximo. E a Mauritânia, terra dos mauberes que conquistaram a península ibérica e dominaram Portugal centenas de anos.
Mauritânia que tem digitais na génese da escravatura e que até hoje mantém parte significativa dos descendentes de escravazidos em situação análoga à escravatura.
Romance andarilho cujo cenário se confunde com a biografia de caminhante do seu autor. Angolano actualmente a viver no Brasil, morou no Senegal, África do Sul e Portugal.
Um livro para ler e partilhar numa época em que o toque dos extremos dos discursos populistas exala chauvinismo e identitarismos com cheiro de exclusão e de sangue. Acontece à esquerda e à direita nas democracias ditas consolidadas. E, obviamente, nas periferias globais.
Raimundo Salvador
Jornalista, homem da rádio e provavelmente o maior divulgador cultural de Angola. Neste momento integra a equipa da Blue Media.
Autor do programa cultural “Conversa à Sombra da Mulemba“. “No imaginário de diversas nações ancestrais angolanas, a Mulemba, uma árvore frondosa, tem um papel central. É à sombra da Mulemba que autoridades, e não só, reúnem para tratar dos problemas da comunidade. Os encontros à sombra da Mulemba visam dirimir desentendimentos, aproximar posições, estimular o diálogo, cultivar a harmonia, transmitir conhecimentos, preservar a memória. É esta tradição que pretendemos homenagear e resgatar.“