Capítulo I: Victor Torres
A curiosidade levou-me a tentar descobrir as minhas origens. De onde venho, quem sou? As histórias de família permitiram-me conhecer o passado remoto, mas tentei ir ainda mais longe. Concentrei-me, sobretudo, na época em que teve início a migração de Pernambuco, no Brasil, para Angola. Como vai aparecer a minha família Torres na chamada ocupação Brasileira (título empregue já depois da independência de Angola), no processo que iniciou a colonização de um território do tamanho de Portugal continental, que se veio a chamar Moçâmedes, no Sul de Angola?
Qual terá sido a razão que levou a esta aventura o meu tetravô, Manuel Joaquim Torres, natural da ilha de S. Miguel, freguesia da Fajã de Baixo, Açores? Fome na ilha? Problemas com o Regime? Tentativa de ascenção social? Falência económica?
Consegui fazer um apanhado de várias gerações desde o ano de 1724. Anteriormente a esta data não se encontrou mais nenhum registo nas ilhas, o que me leva a deduzir que a transição da família do continente para o arquipélago se terá efectuado nessa altura… ou poderá ter acontecido mesmo antes e, devido aos incêndios e saques levados a cabo por piratas, a informação ter-se-á esfumado no tempo. Gostava de ter conseguido mais sobre a origem destes Torres dos Açores, ou seja, de que parte do continente europeu terão vindo. Seriam de Navarra? Os primeiros registos deste nome surgem em Espanha, no século XIV, e no século XV em Portugal. Por terem propriedades em locais que possuíam torres, adoptaram esse nome de família, que passou gerações até se tornar um apelido. Crê-se que este apelido estará ligado às comunidades judaicas oriundas de Espanha.
Reforçando estas origens, o nome Torres faz parte do grupo dos 23 sefarditas (judeus da Península Ibérica) que, fugidos da Inquisição, chegaram a Nova Amesterdão, futura Nova Iorque, em 1624. Vinham de Pernambuco, Brasil, onde antes se tinham radicado desde que aquela terra fora conquistada pelos Holandeses a Portugal. Tinham lá ido parar por serem Judeus e Portugueses a viver na Holanda, onde tinham chegado fugidos da Inquisição Portuguesa, e por serem necessários nessas novas terras pelo facto de saberem duas línguas e serem bons mercadores.
Quando Portugal reconquistou Pernambuco, foram de novo obrigados a fugir. O barco da fuga destinava-se a Amesterdão, mas foi interceptado por piratas Espanhóis, tendo os Judeus sido foram salvos por uma embarcação Francesa, a “Sainte-Catherine”. O capitão Francês deixou-os na costa Americana que, na época, era possessão Holandesa, obrigando-os a pagar a viagem, tendo essa dívida sido liquidada com tudo o que traziam, desembarcando sem nenhum valor em sua posse. Já na época não havia viagens grátis.
(mais…)Capítulo 1: Hugo Henriques
A reunião de Varsóvia marcou a interrupção dos trabalhos na cidade de Bucareste em finais de 2005, mas também o estabelecimento de medidas imediatas para o início de actividades em Budapeste. Era Novembro quando pegou no caderno que dizia Hungria, o segundo destino estratégico antes da República Checa, terceiro e último do plano.
Tinha passado quase uma década desde a última vez que entrara em Magyarország, mais precisamente na República da Hungria, Magyar Köztársaság.
Alojado no magnífico hotel Nemzeti da praça Blaha Lujza, distraía-se em grande parte do tempo livre, gastava a solidão por assim dizer, a descobrir os afazeres dos turistas vizinhos pela transparência das janelas dos quartos e casas de banho, tão próximas umas das outras, mas intercaladas por belas estátuas brancas sobre um fundo azul das fachadas ortogonais do pátio interior. O anoitecer trazia aos mesmos espaços representações diferentes: Para alguns apenas o sono vencia o cansaço, enquanto para outros o romantismo de Budapeste tornava oportuno o amor ardente.
De vez em quando jantava no hotel outras vezes fora, muitas delas no Alcatraz, um restaurante-bar decorado ao ínfimo pormenor como se fosse uma prisão, onde nunca falhava em pedir uma sopa de cebola dentro de um pão desmiolado.
Certa vez passeava a ver montras na Király utca, naqueles dias em que o vagar é aliado do tempo, quando descobriu o vestido carmíneo da loja Siptár, um motivo de fixação. Se coisa desta natureza é classificável como vício, então seja, porque sempre que calhava a caminho ou lá perto, muitos foram os dias de Dezembro em que esteve ali imóvel frente ao vidro a tentar imaginar uma face diferente para o manequim, uma outra bela que não adormecida e desejou tanto, tanto encontrar essa “Cinderela”.
O Natal aconteceu em Lisboa, e a passagem de ano no Porto. Regressou a Budapeste em Janeiro.
Capítulo 2: Álvaro Henriques do Vale
Quando em 1919 se firmou a nova geopolítica europeia e surgiram os novos Estados emergentes do antigo Império Austríaco ‒ a América comprou a dívida pública à Bélgica, recebendo como garantia facilidades no Congo Belga ‒ estavam lançados os dados para a mais grave crise que afectaria o Estado português desde a bancarrota de 1890-92, numa altura em que a recém-fundada Sociedade das Nações agendara as autonomias dos territórios ultramarinos, directiva que incidiu mais nos apetecíveis territórios portugueses de Angola e Moçambique. Autonomias que, a verificarem-se, seriam um primeiro passo para futuras independências políticas.
Esta medida foi uma advertência à República portuguesa para se preparar, porque as coisas jamais seriam como antes da Primeira Guerra, até pela saída da Alemanha das suas colónias, embora as grandes empresas germânicas de alta indústria se tivessem mantido, designadamente na maquinaria ferroviária, rebocadores, dragas e tecnologias para exploração mineira, acompanhadas da Banca, seguros e shipping. De qualquer forma, a Alemanha seria a mais afectada, ao ficar esbulhada em mais de 2,6 milhões de Km2 de território ultramarino, mais do que Angola e Moçambique juntos.
A entrada de Portugal na Primeira Guerra tivera como objectivo primordial a manutenção do Ultramar, e num país de fracos meios e uma dívida de guerra de 25 milhões de libras à Inglaterra, havia que ponderar as medidas agendadas pela Liga das Nações. Para evitar falatório e especulações quanto ao lobby anglo-saxónico à volta de Angola, terá sido acordado ou sugerido nos bastidores diplomáticos a concessão à Itália de uma faixa de território no norte da Namíbia e uma franja no sul de Angola, isto para consolidar a influência latina e católica. A região ganharia escala económica, uma vez instalada a Itália, país de muitos quadros e recursos. E seria uma forma de obviar os muitos desmobilizados de guerra, e os problemas com se defrontava a sociedade italiana que, desde as vésperas das eleições de Novembro de 1919, passaria a estar sob grandes tensões sociais, à beira de uma guerra civil.
Nota do Editor: João Ricardo Rodrigues
Em Outubro de 2018, recebi em Lisboa, pela mão de um familiar do nacionalista Emanuel Kunzika, antigo vice-primeiro-ministro do Governo Revolucionário de Angola no Exílio, a visita do ilustre médico e catedrático em Patologia, o Prof. Doutor Carlos Mariano Manuel ou Uina yo Nkuau Mbuta, que em Kikongo quer dizer “está melhor quem está com o outro”.
O tema de conversa deste encontro, foi a colossal Batalha de Ambuíla, ocorrida em 29 de Outubro de 1665, há 356 anos, e que opôs o reino do Congo às forças portuguesas estabelecidas em Luanda. À revelia das indicações do seu rei, D. Afonso VI, “O Vitorioso” (1), que ordenara a manutenção da Paz com o reino do Congo (por este ser um reino cristão e não avassalado a Portugal), as forças portuguesas avançaram por iniciativa própria para a Guerra, decisão que levou para combate dezenas de milhares de guerreiros, bem equipados. Aquilo que hoje parece ser um verdadeiro “choque de civilizações” entre dois dos maiores reinos do Mundo (o Antigo, o Império do Congo, e o Novo, o Império de Portugal), era na verdade, entre gente, que à primeira vista parecia diferente, mas que no fundo se conhecia muito bem (irmãos conforme tratamento entre os seus reis) e se respeitava por terem a mesma tenacidade guerreira e uma identidade espiritual cristã comum.
No campo de batalha de Ambuíla, temos de um lado o poderoso exército comandados pelo rei D. António I, do Congo ou Muana Malaza, que incluía um pequeno grupo de três dezenas de soldados lusos. Do lado de Luanda, milhares de soldados (africanos, brasileiros e americanos) comandados pelo cabo Luís Lopes de Sequeira.
O mais surpreendente desta conflito é a derrota do rei do Congo, a sua decapitação em combate e a profunda tristeza em que este acontecimento fez mergulhar os vitoriosos, em especial a corte portuguesa e o rei D. Afonso VI, pelo que não se prosseguiu com a ocupação do reino do Congo. O registo das exéquias fúnebres realizadas com Honras de Estado, em Luanda, ao rei D. António I, que terminou com o depósito da sua cabeça na Ermida da Nazaré, hoje património da Humanidade, é um momento único e impressionante, simbólico da História que une os dois povos, mas infelizmente desconhecida pelos cidadãos da República de Angola e pelos da República Portuguesa. Uma situação de que eu já tinha tomado consciência pela voz dos “mais-velhos” da “terra”, alguns já desaparecidos fisicamente, e que se repete permanentemente em muitos outros acontecimentos até 1975, com a independência nacional.
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