Jornal de Angola informa que escritora Sandra Poulson lançou livro em Lisboa

Jornal de Angola informa que escritora Sandra Poulson lançou livro em Lisboa

Por JORNAL DE ANGOLA

O livro “Mukua Milele – Panos da minha avó” da escritora Sandra Poulson acaba de ser colocado no mercado literário. A cerimónia de lançamento aconteceu na sexta-feira, em Lisboa, na Livraria Ferin, na Rua Nova do Almada.

Este é o terceiro livro que a escritora lança em Portugal, depois de “Luanda – Avenida dos Combatentes”, em 2017 e “Tambwokenu – viagens pela minha terra” em 2019.

O romance “Mukua Milele – Panos da minha avó” é um livro que junta ficção e memórias das senhoras angolanas na segunda metade do Século XX.

O livro é uma homenagem às nossas antepassadas avós. Está escrito na primeira página: ” Às mulheres, que ao riscarem o solo com os seus panos coloridos e animados, abrilhantam e tocam as almas de quem partiu e debaixo da terra fértil está”. É nomeadamente uma homenagem à sua avó que este ano faz 30 anos que partiu.

A autora da capa é a artista interdisciplinar Sandra Poulson, filha da autora do livro, que está neste momento a expor a obra “Sabão Azul e Agua”, na Bienal de arquitectura de Veneza, representando o Reino Unido.

A apresentação foi feita pela artista angolana Verónica Leite Velho e teve a demonstração de como se vestem os panos das senhoras Bessanganas, e a explicação da vida destas senhoras de panos, pelas jornalistas e radialistas que pertencem ao ” Núcleo Feminino da Rádio Nacional de Angola”, Aminata Goubel ” Mamã África”, Feliciana Damião “Chana”, Deolinda Cruz, Ana Wandy e Luzia Moniz que é a grande promotora da cultura angolana em Portugal.

A apresentadora do livro, Verónica Leite de Castro, é licenciada em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sendo pesquisadora na história dos tecidos Africanos, produzidos nos antigos Reinos do Congo, Loango e Ndongo. É investigadora do Arquivo Histórico Ultramarino. 

Esta foi especialmente escolhida porque o livro se refere às vestes das senhoras Bessanganas, que por coincidência foi este ano de 2023, o seu traje classificado como ” Património Cultural Imaterial Nacional” por Decreto Executivo. Pelo facto de o traje de Bessangana ser uma indumentária usada por distintas mulheres.

O livro tem a chancela da editora AUTORES.club, Perfil Criativo. Na badana do livro a nota do editor, João Ricardo, lê-se: “Nesta recolha de memórias de sua avó, a autora vai criando um fio condutor que tece um caminho literário, num diálogo permanente de vozes que nos levam a outros tempos, outras histórias e onde se escondem emoções que nos espelham possivelmente também emoções que guardamos” fim de citação.

Bessaganas da ilha do Cabo, património nacional de Angola, surpreendem Lisboa

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23/6/2023 — Lançamento do livro “Mukua Milele — Panos da minha avó” (Ed. 2023), de Sandra Poulson, apresentado na Livraria Ferin, na Rua Nova do Almada, ao Chiado, em Lisboa.

O livro foi apresentado por Verónica Leite de Castro, licenciada em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sendo a sua área de pesquisa a cultura material, nomeadamente a história dos tecidos africanos produzidos nos antigos reinos do Congo, Loango e Ndongo. Faz parte da bolsa de investigadores do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa.

A sala da Livraria Ferin encheu para mais um grande encontro com leitores e amigos de Angola.

O editor da Perfil Criativo deu os parabéns à autora, Sandra Poulson, por este exercício criativo com base nas memórias de casa: “Os panos da minha avó eram os mais lindos de toda a cidade, em tons fortes como a nossa natureza“.

Durante a apresentação do livro “Mukua Milele” (Ed. 2023), na Livraria Ferin a artista multidisciplinar Sandra Poulson, autora da capa do livro, explicou as motivações do seu trabalho artístico.

A artista angolana Sandra Poulson, de 28 anos de idade, é uma de seis artistas que estão a representar o Reino Unido na Bienal de Veneza, com uma obra sobre a sua bisavó e a herança da colonização portuguesa.

As Bessanganas ou “grandes damas de traje de panos”, estiveram presentes neste encontro com a cultura da ilha de Luanda, são senhoras de boas famílias da velha sociedade de Luanda.

Os seus trajes típicos são formados por um total de quatro camadas de panos essencialmente estampados e coloridos: mulele ua jiponda (peça interior), o mulele ua xaxi (pano trespassado cobrindo a parte superior), depois o mulele ua tandu (tecidos trespassados na parte inferior) e finalmente um pano conhecido como bófeta.Um pequeno pano enrolado na cabeça também faz parte da indumentária.



“Ai meu Deus, quanto é duro, Kikola”

“Ai meu Deus, quanto é duro, Kikola”

Por Sandra Poulson, primeiro capítulo do livro “Mukua Milele — Panos da minha avó” (Ed. 2023)

Os panos da minha avó eram os mais lindos de toda a cidade, em tons fortes como a nossa natureza. Vermelhos como o xinguilar das muxiluandas da Ilha de Luanda, negros como a bravura da nossa raça, amarelos como o sol que nos presenteia todos os dias.
Algumas vezes eram verde-azulados como as nossas águas do mar, outras eram cor-de-laranja como sol a beijar o oceano Atlântico, desprendendo-se serenamente do azul celestial onde a mãe da minha mãe descansa em paz. 
Os panos da minha avó, que as outras avós vestiam, deambulavam por todas as ruas, riscando o asfalto e a terra quente, com as suas linhas verticais, em tons suaves ou fortes, tomando uma cor arenosa que deixava o tom deslavado para trás.
Naquela altura os panos vinham do mato, ou eram comprados no musseque, na loja de um branco qualquer que falava kimbundu para melhor vender, e se possível enganar subtilmente. 
Entravam no atelier mamãs com vários níveis de exigências, mas no final todas queriam um bom corte, uma boa costura, um bordado perfeito, e um croché alinhado.  
À minha avó cabia  bem confecionar com dedicação, carinho e amor. 
Quando na rua caminhavam, os seus portes transpiravam o charme de uma mulher angolana, fascinando homens e mulheres que abriam alas para as deixar passar. 
A minha avó era a mãe suprema de quem não tinha ascendente ou parente. Era o modelo de bondade, caridade, solidariedade, carinho e de miminho.
Quando a minha avó foi descansar, eu não meti kisunde, a tira de pano ao pescoço como sinal de luto, nem fumo na manga da camisa, porque eu não uso camisa, nem meti o pano preto na janela, nem a rendada mantilha negra a cobrir a minha cabeça, descaindo em cascata sobre os ombros, o bófeta.
O meu corpo encorpou a minha avó, e apesar de eterna ausência ser longínqua, eu ainda a sinto.
Fiquei de tanga, na véspera dos meus anos, quando vestiram a minha avó com o rendado vestido azul, que ela tinha costurado há muitos anos, para quando chegasse o dia dela  descer à terra, e eu chorar, sem estar presente. 
Restou-me ficar com a imagem bonita e carinhosa dela viva, da pessoa que me deu os primeiros e sábios ensinamentos.
A minha avó, tal como tantas outras mamãs, já não tinha espírito nem físico para aguentar, outra vez, uma guerra civil. Eram as bombas colocadas nos prédios, as pessoas a serem levadas para lugares incertos por partilharem ideias diferentes, eram os parentes perseguidos, eram os parentes e os amigos que conseguiam subir o oceano Atlântico e virar as costas aos agrores da guerra. E ao fim de alguns meses da guerra de 1992, e da instabilidade, ela partiu para não mais voltar.
A minha avó eternizou mais cedo do desgosto de ver e sentir a nossa sepultura cavada todos os dias, malembe, malembe.
A minha avó era o Sol, a luz, o brilho que todos nós precisávamos para viver. 
A banga tinha acabado, agora restava-me, para além dos seus ensinamentos, as tangas que ela deixou. 
A verde-esmeralda, ácida como a urzela e gelatinosa como o quiabo, foi herdada pela minha mãe, na esperança de ser adocicada. A amarela alaranjada, igual ao azeite de palma, coube aos filhos homens, para que não escorregassem muito entre saias. A azul, esvoaçando como os peitos-celestes, de galho em galho, ficou para o Lindo, porque ele merecia o céu. A rosa avermelhada com veios escuros separando os quatro gomos, que nos estimula a circulação sanguínea, ligando-nos ao além e pequena como o makezo, foi dividida, cabendo cada kiesu, pedaço pequeno, a cada uma das filhas. Este representava o acordar diário da minha avó. Esfregava os dentes com pau de vikussi, raspava a língua com uma tira de lata de flocos de aveia ou de atum. Jejuava de seguida, mascando lentamente pedacinhos de gengibre e noz de cola (Sterculia Acuminata), acompanhados com vinho abafado, quinado ou maluvo, para enfrentar a dureza do dia. 
Ai, meu Deus! quanto é duro, Kikola.