Kabengele Munanga exorta académicos angolanos e africanos a explorarem a obra antropológica de Mafrano

Kabengele Munanga exorta académicos angolanos e africanos a explorarem a obra antropológica de Mafrano

Fotografia: Pedro Seno (Bienal do Livro de Alagoas)

Rio de Janeiro (Brasil), 14 de Novembro de 2023 – O antropólogo brasileiro Kabengele Munanga, professor emérito da Universidade de São Paulo, Brasil, considerou no passado fim de semana que a obra antropológica de Maurício Caetano, “Mafrano”, deveria ser recuperada e re-utilizada por académicos e demais estudiosos angolanos e africanos que se ocupam desta área da cultura, línguas e civilizações Bantu.

O Prof. Dr. Kabengele Munanga fez este apelo durante uma vídeo-conferência sobre o espólio literário do escritor e etnólogo angolano “Mafrano”, cuja colectânea sobre os Bantu foi objecto de um debate organizado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), numa iniciativa que coincidiu igualmente com o 48º aniversario da independência de Angola.

«Os dois volumes de “Os Bantu na visão de Mafrano” não teriam sido conhecidos sem este trabalho minucioso, de escavação arqueológica, para encontrar textos dispersos de sua autoria em vários jornais do tempo colonial e em algumas publicações missionárias, como foi o caso da Arquidiocese de Luanda e seus arquivos», realçou ele ao aplaudir a publicação desta obra em três volumes e mais de 700 páginas.

Kabengele Munanga citou ainda uma frase histórica do historiador maliano Hampaté Bá, segundo a qual «a morte de um ancião africano é como se fosse uma biblioteca queimada», antes de salientar que «Os escritos de Mafrano, em plena colonização portuguesa de Angola, salvaram grande parte dessas bibliotecas vivas que teriam sido queimadas e perdidas com a morte dos sábios conhecedores da história, cultura e tradições dos povos angolanos»

Sublinhando várias vezes a importância e riqueza de «Os Bantu na visão de Mafrano», Kabengele Munanga, defendeu com vigor o estudo da mesma, sublinhando que caso ainda lecionasse usaria os textos deste autor como «a origem do homem, da mulher e da natureza através das lendas e dos mitos que existem em todas as culturas», para explicar aos estudantes «as raízes das culturas africanas de origem bantu».

Kabengele Munanga classificou Mafrano de «um rebelde e divergente», dizendo que na sua época (anos 40’s), este autor reconheceu a importância da Cultura e do Património Cultural Bantu, tentando registá-los para as gerações futuras. «Mafrano rompeu os obstáculos impostos pelo processo de lavagem de cérebros africanos que negavam a ancestralidade africana e a sua História, assim como a sua plena humanidade», realçou ele, acrescentando logo a seguir:

«Maurício Caetano tenta, de modo original, fazer uma Etnografia de alguns povos ou etnias, de angolanos, onde viveu e passou parte da sua infância, com registos inéditos, que não encontraríamos hoje, sobre vários aspectos das culturas originais, incluindo a sua História ancestral, organização social, sistema de parentesco, nascimento, vida, morte, relações matrimoniais e religião, no olhar de um africano baseado na sua própria experiência de vida diferente da cultura ocidental, fazendo o que a escritora brasileira Conceição Evaristo chama de «escrivivências», o que quer dizer «escrever a partir da sua experiencia de vida», e não escrever a partir de observações externas de alguém que vem de fora, como pesquisador», disse Kabengele Munanga.

O professor Munanga não escondeu a sua emoção ao recordar que foi o primeiro antropólogo formado na Universidade oficial do Congo (RDC), quando disse: «No meu caso, que nasci e fui socializado numa dessas culturas do Povo Bantu, eu encontrei o meu rosto, o rosto da minha cultura, nestes textos que constituem os dois primeiros volumes da colectânea «Os Bantu na visão de Mafrano – Quase Memórias»; Descobri nestes dois primeiros livros coisas que não sabia interpretar dentro da visão colonial em que fui formado»

«A obra de Mafrano veio preencher lacunas e ajuda a recuperar um património que teria sido perdido e que precisamos para construir a nossa identidade.», disse finalmente

Kabengele Munanga nasceu em 1942, na República Democrática do Congo (antigo Zaire), naturalizando-se brasileiro aos 43 anos. Professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, onde se doutorou em 1977, realiza pesquisas nas áreas de Antropologia Africana e Antropologia da População Afro-Brasileira. Escreveu, entre outras obras, Negritude: usos e sentidos (1986) e Estratégias e Políticas de combate à discriminação racial (1996).

O livro “Os bantu na visão de Mafrano – Volume II” apresenta uma série de capítulos que abordam diversos temas relacionados à antropologia cultural dos bantu. O livro começa com uma introdução sobre o padre Carlos Estermann e sua relação com a antropologia cultural de Mafrano. Em seguida, são exploradas a história do “Xiriva-Zuba” e os problemas da biogênese, com uma interpretação aborígene bantu. Os capítulos subsequentes tratam de tópicos como o telégrafo bantu, os topônimos angolenses e a ética bantu, a arbitragem filosófica sobre a origem do homem, a filosofia bantu sobre a morte, os idiomas bantu, a influência de uma superstição biológica no direito sucessório bantu, lendas e mitos bantu, a gênese temporal das raças humanas e a história de Mafrano através do testemunho de Dom Zacarias Kamuenho. O livro também inclui um álbum fotográfico e homenagens a figuras importantes relacionadas com Mafrano.


22 de Novembro de 2023 | Jornal Angolano de Artes e Letras