Sem pressa o cronista Miguel Neto vai escrevendo para memória futura a História do seu tempo

Sem pressa o cronista Miguel Neto vai escrevendo para memória futura a História do seu tempo

Em 2019, Miguel Neto, famoso “Nível”, lançou em Lisboa e em Luanda o livro de crónicas “Sarrabulhada II” uma década depois de ter publicado “A Sarrabulhada Volume I”. Sobre este autor Damião Lima escreveu “despreocupado em ser escritor, jornalista, cronista, colunista ou articulista de um mui procu­rado hebdomadário da nossa praceta, o autor desta obra remeteu-se com afinco à gratificante tarefa de escrever um texto por semana, ficando tácito um compromisso moral com o público leitor, sobretudo com os que aguardam as suas reflexões.(…) Tra­tando-se de um narrador que evita a contradição textual ou a redundância desnecessária, Miguel Neto tem carregado em seus ombros a responsabilidade de brindar os seus acompanhantes – telespectadores ou rádio-ouvintes – com o melhor de si.” Miguel Neto não parou, continua a produzir as sua crónicas como se pode ler nas três crónicas que publicamos abaixo, sobre os acontecimentos 27 de Maio de 1977, e na entrevista ao jornalista Carrasquinha. Sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977 decidimos incluir junto das crónicas o recente discurso do Presidente da República (26/5/2021).

Autor: Miguel Neto (Nível), Editora: Alende – Edições | Perfil Criativo – Edições, Ano de publicação: Abril de 2019 – Primeira edição, ISBN: 978-989-54354-7-0, N.º de páginas: 288, Capa: Mole com badanas, Medidas (Alt. x Larg. x Lombada): 230 x 150 x 25 mm, Peso: 0,435Kg

1977: Um ano doloroso para muitas famílias angolanas… Oremos!

[Colecção Sarrabulhada]

No dia vinte-e-sete de Maio de 1977, tinha [eu] 16 anos, 9 meses e 8 dias, quando dentro de minha casa [na C7], comecei a ouvir o ‘pipocar’ das AKA’s, que-sem-mais-nem-quê decidiram estrondar, novamente, os pacatos habitantes de Luanda. “Que chatice logo pela manhã! Mas o que se passa [mais] lá fora? Tiros hoje, e à esta hora?… porquê?”, perguntavam os kotas lá de casa para uma resposta muda baseada simplesmente nessa ULTRA-SECRETA OPERAÇÃO MILITAR. Na verdade, um punhado de combatentes afectos às FAPLA planearam libertar uns quantos colegas presos nas cadeias de São Paulo e Casa de Reclusão, mas a esmagadora maioria da população desconhecia. Eu nada sabia dessa ocorrência, e não apenas por estar ainda no segredo dos deuses, mas também pelos escassos números que tinha a minha tenra idade. E esta parte da história começa naquela sexta-feira quase sangrenta quando cada um de nós ouviu ressoar o indicativo do KUDIBANGUELA na sintonia da EOA-Emissora Oficial de Angola. À época, fazia já algum tempo que o famoso programa tinha sido extinto da referida estação por alguma razão política; se ousadia, irreverência ou pura desconfiança. Os mais-velhos do MOVIMENTO foram-se aos arames porque tinham entendido bem a ‘reacção’ da rapaziada [trespassada em mensagens indirectas], porquanto divisavam alguma anomalia perpetrada pela vasta equipa de rádio [só] composta de ‘miúdos’ ousados, politicamente. Os ‘muadiakimi’ julgavam que os kanukos fossem distorcer as orientações e os ideais do MOVIMENTO – estatuídos uma década-e-meia antes -, para dar lugar a um certo ‘desrespeito’ que viria depois a beliscar a nomenclatura e fazer descarrilar aquele processo. Confesso que para mim era tudo muito novo e estranho desde que, a 8 de Novembro de 1974, vi chegar à Luanda a primeira Delegação MILITAR do MPLA liderada por Lúcio Lara. E naquela mesma altura fizeram-se também à capital angolana, as Delegações militares da FNLA e da UNITA que tempos depois mexeram com a situação política-militar em Luanda, e levou o POVO [todo] numa insustentável guerra civil. Esta é outra parte da nossa história contemporânea que se tinha passado dois anos antes, de 1977. Enfim! Mas ao deleitar-me com o indicativo do KUDIBANGUELA que por longos e felizes meses familiarizou-se com os meus ouvidos, minutos depois ouvi a emissão ser interrompida em meio à gritarias amplificadas pelos microfones da Emissora Oficial de Angola. E digo mesmo; ocorreu ali algum estrondo que fez-me pensar em uma ligeira violência. Mas o que realmente se passou naquele estúdio da Emissora Oficial de Angola – hoje RNA – quase nenhum de nós apercebeu-se porque logo depois me dei conta do fim abrupto do mais famoso [quiçá mais querido] programa matinal. Por outra, à época, eu ficava muito atento aos locutores daquela estação de rádio porque costumava colar o meu ouvido nos EDITORIAIS unicamente emitidos pelo vozeirão de Francisco Simmons. Com o título BATER NO FERRO QUENTE, este registo de que não se conhecia bem as razões pelas quais haviam criado, era sistematicamente assinado por Costa Andrade, vulgo, N’dunduma we Lépi. Mas aquela triste manhã do vigésimo-sétimo dia do 5• mês de 1977, deixara-me relativamente perplexo por causa dos balázios que irromperam o meu sono e interromperam o sonho de muita gente naquela perturbadora madrugada. Foi depois que me juntei à malta lá da rua para dar uma voltinha às imediações da temível cadeia de São Paulo, onde pude ali constatar uma [quase] inexplicável cena de ‘gladiadores’. Recorde-se que no tempo colonial aquele cárcere pertencia aos carrascos da PIDE-DGS, mas após a independência, a própria DISA passou imediatamente a gerir o referido Estabelecimento Prisional. E mal eu cheguei ali no recinto logo me dispersei do grupo de amigos de que me fiz acompanhar no percurso pela B7, mas até às imediações do bairro Indígena. Foi precisamente lá que deparei-me com algumas pessoas não apenas importantes, como muito conhecidas e bem relacionadas no meio sócio-cultural, luandense. Além de duas altas patentes do destacamento feminino – uma delas a Nandy [grávida] e outra a famosa Virinha – pude também divisar os kotas Urbano de Castro e Kiferro, este último o grande defesa do Progresso que também alinhou como craque do JUBA [Juventude Unida do Bairro Alfredo]. Mas elas apareceram fardadas, porém, muito activas e visivelmente preocupadas com a prisão de seus colegas encarcerados. Urbanito [o angolano] tinha seu possante físico coberto por um fardamento de campanha [novo-em-folha] que me pareceu ter vestido uma única vez, na sua vida. Mas o kota Kiferro trajava duas interessantes peças ‘blue jeans’ [calça e camisa] como mandava a moda do ‘western’ em Phoenix-Arizona. À época, eu também já era varrido por LEVI’s e botas ‘sterobase’ [com esporas], porque deslocava-me sempre ao cine São Domingos, para assistir alguns filmes de ‘cowboys’ protagonizados por excelentes actores como Lee Van Cleef [Sabata], Franco Nero [Django] e Giuliano Gema [Gringo]. E já quase não me lembrava de quem eu tive a honra de ficar a seu lado naquele dia 27. Quando cheguei ao recinto fui logo posicionar-me junto de Zeca Lobo, à época, o figurão do Futebol Clube de Luanda. Mas ali parado como todos outros curiosos a observar o cenário, o kota Zeca Lobo vestia uma camisola de seu clube. Muito regozijado com a sua presença, eu preferi não arredar o pé de seu lado, até que surgiu meu primeiro susto; ver o vizinho Neto [N’zamba] sair dos calabouços e bastante atordoado. Mas ao vê-lo também alegre a passar ali juntinho a mim, questionei-o por que razão lhe tinham mantido sob aquele cárcere mas o Neto não me respondeu. Apenas fez-me um carinho na cabeça e logo partiu para sua casa na C7. Mas quem afinal era o meu vizinho Neto? Tratava-se do irmão caçula de Ambrósio de Lemos. Ele era jovem com escassos 20 ou 21 anos, que por aquela altura exercia algum cargo importante na equipa do Comandante Nito Alves. Apercebi-me disso porque quase diariamente via-lhe trocar de veículos automóveis. E a partir de 1976, Neto mudou sua vida para melhor, mas apenas até aqueles dias que nada lhe corria bem. E quanto ao ambiente ali mesmo defronte a cadeia de São Paulo, aquilo ficou mais tenso quando disseram-me que haviam duas pessoas mortas [à tiro] no interior do quintalão; eram Hélder Neto e Adelino Quintino (ambos membros da DISA). Confesso que não gostei da notícia pois além de supersticioso, eu também era um adolescente pouco corajoso. UMA HISTÓRIA ANTIGA IMPREGNADA NA MEMÓRIA DE TODOS!

Manhã de sábado 01/05/2021 – Séc XXI

‘As massas não aderiram’ – Lia-se no jornal em Maio de 1977!

[Colecção Sarrabulhada]

Dia 27 de Maio de 1977, pelas 08:30 ou 09 horas [se tanto], muita gente reencontrou um sem número de vizinhos e amigos que deslocaram-se ao pátio frontal da cadeia de São Paulo para informarem-se do que realmente se tinha passado no início daquela jornada. Quase todos ali permanecemos um longo tempo, até que o Zezinho Makuesse – mais atrevido do que todos nós miúdos – disponibilizou-se a ir buscar um serrote para libertar outros ‘enjaulados’ naquelas celas. Daí, o tal adolescente da B5, juntamente com o kota Lito (Django) da B3, tudo fizeram até que retiraram alguns detentos ansiosos por liberdade. Pelo que se sabe, ambos foram úteis nessa flagrante prepotência libertadora, embora não soubessem os riscos que correriam, nas próximas 24 horas. Mas até perto das 11, recebia-se ali muito pouca informação sobre o motivo daquele tiroteio durante a madrugada. Apenas divertíamo-nos a assistir um cenário complexo [e até inexplicável] de que desconhecíamos o desfecho. Mas antes de regressarmos à C7 – já bem no início da tarde – notamos uma ‘nuvem negra’ no ar, porque, à certa altura, a situação militar dessa penosa acção mudara drasticamente. Foi como se do dia para noite, e em pouco menos de 4 horas. Enquanto em casa já muita gente sabia do que realmente se tratava – por informações úteis veiculadas através da rádio -, nós ali distraídos [na ponta da B6], queríamos ainda perceber que situação prescrevia aquele acto; se anômalo ou meramente discrepante. E por essa altura, ali já não circulava muita gente que tivesse sido visto poucas horas antes, porquanto naquele mesmo sítio só víamos algumas viaturas Volkswagen [do tipo brasília] a rolar, de um lado para outro. Nem sabíamos para onde iam e quem elas traziam no seu interior. Nós ainda quase nada pensávamos a respeito dessa grave situação que veio depois a pôr em causa a vida de milhares de jovens; civis e militares. Éramos imberbes e por isso muito inocentes. Estávamos desprovidos de qualquer atitude maléfica. E mais; confiávamos o bom senso do MOVIMENTO. Que remédio! Veja que só faltavam 2 meses e 22 dias, para eu completar 17 anos de idade. E corremos ali o risco de ser também encarcerados, pelo simples motivo de termos assistido aquela ocorrência nas primeiras horas da manhã. E só me lembrei disso quando muito mais tarde comecei a pensar na sorte que cada preso teve, ao ser solto daquela espécie de masmorra. E faço aqui uma pergunta; se todos estávamos ali preocupados, como ficaram os ex-presos que só se aperceberam da gravidade de sua própria liberdade já no relaxe de suas casas? No fim desse mesmo dia, e após termos já chegado a casa, uma boa parte da malta decidiu reunir ali mesmo na rua para reflectir o que poderia vir a constituir um motivo de preocupação para o nosso vizinho Neto. Contudo, as nossas interrogações eram precisamente as seguintes; o que terá feito o Neto [N’zamba] para merecer aquele vil encarceramento? Quanto tempo terá [ele] ficado na cadeia, até sua arbitrária libertação? Mas é claro que nada de concreto pudemos ali adivinhar, se não tirarmos, simplesmente, algumas conclusões precipitadas. À época, vivíamos ainda sob aqueles rígidos valores educacionais, que só por isso quase ninguém aceitava trespassar uma informação incompleta e muito difusa. Mas enquanto lembrávamos o atrevimento do Zezinho Makuesse e do kota Lito (Django), alguém ali fez o favor de explicar aos demais que ambos estavam já à contas com a justiça. Sukuama… ua n’gui kuama! E foi pois a partir daí que tivemos outros detalhes desses acontecimentos, já que também se falava na detenção de uns quantos Comandantes das FAPLA. Sendo assim, de hora à hora, aquele assunto mudava de figura, e cada 60 minutos configurava um momento ainda muito mais sério. Tanto assim que nesse mesmo dia, as autoridades apelaram aos antigos detentos para que retornassem aos respectivos cárceres,… e pior; de livre e espontânea vontade. Makanha! Confesso que nós ali também entramos em pânico porque desconhecíamos a sorte daqueles rapazolas que se cruzaram no pátio da cadeia. E nessa mesma noite – verdade seja dita – nenhum de nós conseguiu pregar o olho, com receio de que fossem bater também as nossas portas. Nas primeiras horas do dia seguinte deparei-me com o título [do jornal] em epígrafe: “As massas não aderiram!” Mas, que massas eram essas?, questionei para com os meus botões. E foi então que, a partir daí, uni alguns pontos daquela inexplicável situação [ainda no começo], para concluir que o balanço seria mesmo catastrófico. Afinal, aquela atitude ‘inconveniente’ de um punhado de DIKUENZES [fervorosos], foi no momento entendida como contestação de um grupo hostil ao movimento dos camaradas. Por isso, a Direcção Central do MPLA – o CC e o BP – que não poupou duras críticas à parte agressora, ousou designar o acto como tendo sido GOLPE DE ESTADO com o abominável rótulo de FRACCIONISMO. Houve mesmo quem tivesse associado aqueles disparos na madrugada do dia 27 de Maio, à tentativa de uma “insurreição popular armada”. Enfim! E todos esses termos políticos ainda não me cabiam, simplesmente por ausência de uma verdadeira consciência política. À ÉPOCA, ANGOLA ESTAVA AINDA NA ROTA DE CONSOLIDAR A SUA PRÓPRIA SOBERANIA!

Manhã de sábado, 08/05/2021 – Séc XXI

Lançamento na Casa de Angola em Lisboa.
Lançamento na Casa de Angola em Lisboa

A rebelião que fez Angola mergulhar em um oceano de sangue

[Colecção Sarrabulhada]

Nos dias 28 e 29 de Maio de 1977, quando já quase todos começávamos a entender os meandros do infausto acontecimento, o MOVIMENTO-ESTADO transformou aquele primeiro fim de semana num dos piores horrores da nossa história. Apesar de terem sido os 3 primeiros dias de uma minuciosa investigação no interior da organização política, é óbvio que não havia coragem porque vigorava já o RECOLHER OBRIGATÓRIO, entre às 17 e às 6 horas. Daí que cada pessoa evitava aglomerar-se fora de sua casa para não correr o risco de ser apanhado pelas implacáveis rondas militares. Os ânimos e os nervos estavam à flor da pele. No entanto, era o mais apertado pente fino naquele restritivo cerco de poucas dimensões, já que nessa curta vaga de contestação, os ULTRA-REVOLUCIONÁRIOS decidiram piorar ainda mais a situação, ao prenderem altas patentes. E o desfecho dessa situação foi o desaparecimento físico de quase todos os Comandantes da liberdade. Se, ao terem sido levados para as barrocas do Sambizanga, e horas após encontrados quase carbonizados no interior de uma kombi [ainda a fumegar], os autores dessa barbárie não tinham dado conta que no Volkswagen estava também um super-homem. Apesar de os transportar imediatamente para um vasto campo aberto do Sambila, e depois atirados à sorte naquele íngreme desfiladeiro, à posterior o povo soube que nessa condenável e irreflectida MISSÃO-MATAR, saíra uma [única] pessoa com vida. Era o Comandante Ciel da Conceição Cristôvão, vulgarmente chamado de Gato, quiçá pelo
mesmo motivo de já ter sido salvo nalgumas acções militares [de alto risco]. E aquela foi só mais uma. Mas é óbvio que a alcunha Gato casou bem ao Comandante porque o quadrúpede ostenta 7 vidas. Bem, não lhe servindo para nada a patente de Comandante [pelo menos àquela data] – após infindáveis anos de uma carreira militar iniciada na década de 60 -, valera-lhe simplesmente o pingo de sorte que salvou sua vida. Mas a isso diz-se que não havia chegado ainda a hora do seu destino. Sendo que o Comandante Gato fora depois impelido a narrar os detalhes daquela condenável atrocidade, o povo começou lentamente a tomar conhecimento do que se passara com quase todos aqueles infelizes. Mas, sair ileso daquela acção criminosa não era sorte para qualquer mortal, pois nenhum outro conseguiu a mesma proeza. E muito menos fugir daquele cárcere privado no Sambila. Enfim, tudo isso é p’ra esquecer! O que era mero susto começou a ficar ainda mais difícil de controlar, porque naquela altura já Manguxi tinha mudado de semblante, e de decisão. Inicialmente, ele apelara o bom senso dos insurrectos, tanto que desejava ‘reintegra-los’, no MOVIMENTO. E para que fosse possível essa ideia, deveriam eles ‘fazer um grande trabalho de reabilitação’, disse. Mas ao tomar conhecimento do fuzilamento daqueles civis e militares antes ali retidos, o Presidente da República destilou mais ira num outro discurso que disse: “… não haverá qualquer espécie de contemplação, não haverá perdão, não haverá mais tolerância. Vamos proceder de maneira firme e dura, para aqueles que se introduziram numa luta contra o MPLA”, fim de citação. Longe de toda verdade [e inverdades] sobre o facto achado inglório, o POVO – leigo na matéria – levou as mãos à cabeça por causa daqueles apelos feitos pelo Presidente do MPLA. Ouviu-se [pois] uns e outros, falarem sobre a gravidade do caso depois que o Estado decidiu fazer justiça sem contemplações, tal como disse publicamente o Presidente do MPLA e da República Popular de Angola. Por conseguinte, ali mesmo próximo a mim, na C7, meu vizinho Neto já tinha voltado para a prisão depois que passou algumas horas em liberdade [arbitrária] junto de sua família. Quando eu não lhe tinha visto nos 2 dias [daquela falsa liberdade], entristeceu-me saber que para ele não houve mais escapatória. Pouco tempo depois informavam-me que Neto [N’zamba], Zeca Lobo, Zezinho Makuesse e também o kota Lito (Django) [da B3], já todos eles tinham sido mortos. Passavam apenas ano-e-meio da independência, e a questão é pois a seguinte: afinal, o que se terá passado para esta triste história sem uma explicação plausível?

Manhã de sábado, 15/05/2021 – Séc XXI

Discurso do Presidente da República de Angola, a 26 de Maio de 2021, sobre os trágicos acontecimentos de 27 de Maio de 1977.
© ANGOP

Nito Alves: de Comandante de Coluna a Ministro da Administração Interna… Presente!!!

Os meses de Março, Abril e Maio de 1977, foram suficientemente propícios para o desencadear daquela insustentabilidade política que despertou os habitantes de Luanda na inesquecível madrugada do dia 27. À época, uma grande maioria leiga nos MUSSEQUES não visualizava indícios de um acontecimento anormal, porém, ao nível de um facto político que marcaria sobremaneira suas vidas. Nos 2 primeiros meses daquele ano crítico, o MOVIMENTO recrudesceu a vigilância contra o cidadão ALVES BERNARDO BAPTISTA, de quem desconfiava uma atitude adversa ao sistema político vigente. Após a participação no XXV Congresso do PCUS [Partido Comunista da União Soviética], em Moscovo, o MOVIMENTO decidiu gizar um estratagema que viria a intensificar o combate à ideologia marxista-leninista do então Comandante de coluna. Pelo que fizeram entender à época, este ponto de vista político do antigo guerrilheiro da Primeira Região Militar do MPLA, visava seguir um caminho extremamente rigoroso, e diferente da linha orientadora MAOÍSTA ou SOCIAL-DEMOCRATA professada [silenciosamente] por uns quantos membros de proa. Logo, estancar este pensamento subversivo no seio dos camaradas não era apenas imperioso como extremamente necessário, de modo a não perdurar aquela negativa ideia de contrários. À época, Nito Alves e seus colegas da Primeira Região gozavam da simpatia do Presidente Agostinho Neto. Por isso, a inclinação de Nito pelo Presidente, era genuína. Aliás, rumores ainda sustentaram que Neto apadrinhou o Comandante Monstro Imortal enquanto nubente. E se assim foi, qual então a natureza daquele conturbado momento político? Consta nos anais da história que, ALVES BERNARDO BAPTISTA (vulgo NITO ALVES), foi um consequente Comandante de Coluna na região dos Dembos. Desde 1966, Nito cercou-se de pelotões e brigadas de guerrilheiros igualmente comandados por César Augusto (Kiluanje), Jacob João Caetano (Monstro Imortal), Eduardo Ernesto Gomes da Silva (Bakalov), José Arsénio (Sianuk), Benigno Vieira Lopes (Ingo), Lourenço António Casimiro (Miro), Valódia, Lumumba, Tiro, e outros “Lumbos” dos Dembos. Obviamente que todos esses ex-militares de guerrilha nos quais incluía também o cubano Rafael Moracén Limonta (vulgo Humberto Vasques), bateram-se arduamente para que a independência de Angola fosse alcançada 14 anos após o início da luta armada. Em 1974, Nito Alves compareceu à Conferência Inter-Regional do MPLA [na Zâmbia], onde se juntou aos demais colegas e com eles discutiu a problemática que afligia a vida interna do MOVIMENTO. E foi pois aí que o Comandante Nito Alves recebeu não apenas o aval dos colegas, como também caiu na ‘graça’ do Presidente Neto. Retornando à longa história de vida política cuja desconfiança criou mau relacionamento no seio do grupo, um bom pedaço de informação começou a ser divulgada pela própria Direcção do MOVIMENTO. Essa informação baseava-se no comportamento político de alguns camaradas, daí despertar a esmagadora maioria da população por ora distraída. Talvez, por isso, o círculo interno do MPLA não ficasse apenas afectado, como dera origem a um verdadeiro turbilhão de consequências, que quase nos apercebemos daquela luta de contrários entre dois grupos; de Neto e Nito. O círculo restrito, coeso e [até] muito discreto, acabou despertando os menos atentos ao dar a conhecer aquela divergência no seio dos camaradas. Não é mais novidade que, entre 75 e 76 – enquanto Ministro da Administração Interna – Nito Alves instaurou em Angola aquele processo político designado como Poder Popular, para uma estreita ligação do Estado com o POVO. Foi então que, de um momento para outro, o Comandante Nito Alves ganhou notoriedade, o que fez intensificar ainda mais aquela tragédia. Por exemplo, o meu vizinho Chico – sobrinho da dona Cezarina – ter-me-ia falado dele com o maior orgulho e muita admiração pelo sentido de missão do sujeito. E nessa altura, Nito Alves havia já escrito o livro ‘A dialéctica e a guerrilha’ [editado em 1976] pelo que também divulgou ‘As 13 teses em minha defesa’ com as inúmeras justificações a seu próprio respeito. À época quase todos desconhecíamos a existência desses textos narrativos sobre seu passado político. Mas a verdade é que seu estatuto subiu em flecha e o nome logo ficou na boca do POVO, e por um motivo que minha mente não conseguia descortinar. Eu não tinha idade nem intelectualidade para avaliar o perfil do indivíduo porque Nito Alves era já uma entidade, ou seja, um dignitário a ter em conta. E foi pois a partir daí que NITO passou de Comandante de coluna à Ministro da Administração Interna, para tempo depois ousar negar a patente de Major a si atribuída pelo então Comandante-em-chefe da República Popular de Angola. E qual terá sido a razão dessa recusa? Como muito se cogitava – relativamente a decisão da Comissão de Inquérito -, eu pergunto em que situação ficou esse relatório solicitado pelo Presidente Agostinho Neto? Agora que o Presidente da República já pediu PERDÃO, eu pergunto; para quando um diálogo frontal ou no mínimo um verdadeiro estudo de caso sobre as atrocidades do 27 de Maio de 1977? É pois importante sabermos que motivos fizeram descambar esse processo, até então involucrado por uma exposição envidraçada. Honremos os nossos mortos!

Manhã de sábado, 29/05/2021 – Séc XXI