
A historiadora Constança Ceita escreve sobre a intervenção do Prof. Carlos Mariano Manuel: “Um gesto simbólico de fraternidade e reconciliação”
AUTORES.club | Perfil Criativo — Novembro de 2025
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O primeiro contributo chega da Professora Catedrática Doutora Constança Ceita, historiadora angolana, regente da Cadeira de História de Angola na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, que escreve sobre a intervenção do Prof. Doutor Carlos Mariano Manuel, prefaciador e orador no lançamento do livro A Primeira Travessia da África Austral, de José Bento Duarte, apresentado no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, a 29 de outubro de 2025.
Carta da Prof. Doutora Constança Ceita
(Reprodução integral)
Prezado Prof. Doutor Carlos Mariano Manuel,
Permita-me, como historiadora que acompanha atentamente a investigação e a redação científica da África Central/ Austral, expressar a minha profunda admiração pelo seu artigo intitulado “Se encontrássemos a coroa do Rei do Congo, seria um acto redentor”. A sua intervenção — que reflecte não apenas um domínio rigoroso das fontes como também uma consciência crítica da dimensão simbólica da História — revela-se um contributo de excepcional relevo para a nossa compreensão do passado colonial, da memória e da identidade.
Em particular, valorizo:
A sua delicada articulação entre os factos históricos — em especial ao referir-se à morte por decapitação de Dom António I (Nkanga Vita Lwa Mvemba/Mwana Nlaza) e ao percurso da Coroa de prata que poderá ter sido levada para Portugal em 1666 — e o chamamento a uma reparação simbólica entre Angola e Portugal.
O modo como associa a narrativa histórica à noção de “redenção”: não se trata apenas de recuperar artefactos ou factos esquecidos, silenciados, mas de restituir dignidade às vozes e aos agentes históricos africanos que o cânone colonizador marginalizou.
O tom científico e ao mesmo tempo humanista da abordagem — que conjuga erudição, rigor crítico e sensibilidade perante as implicações morais e identitárias da história partilhada de ambas as margens do Atlântico.
Este tipo de escrita — que não se limita à catalogação de factos mas avança para a reflexão sobre o significado social e simbólico da História — constitui um verdadeiro exemplo para a comunidade científica.
A sua proposta de redefinir, por exemplo, o Monumento do Padrão dos “Descobrimentos” como “Padrão das Expedições Marítimas Portuguesas”, ou de considerar a recuperação da Coroa do Soberano do Reino do Kongo como “gesto simbólico de fraternidade e reconciliação”, são indicações fortes de como a História pode (e deve) intervir no mundo contemporâneo, para além do arquivo.
Em nome da academia e em reconhecimento do seu contributo valioso, gratidão pelo seu trabalho.
Espero que esta reflexão inspire novas pesquisas que sigam a mesma linha — exigente no método, audaz no tema e sensível ao impacto histórico-social.
CONSTANÇA CEITA
Professora Catedrática
Regente da Cadeira de História de Angola
Faculdade de Ciências Sociais — Universidade Agostinho Neto
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