“Tem gente que levita na duna
que nunca comprou,
Tem alma que almeja areia ou grão
que nunca doou…
Tem ser humano que sabe de cor a corrente
do rio onde se banha a lágrima
e onde se brinca com o crocodilo,
Tem mulher Himba que no calor
do meu ser é minha sem a ter,
É bebé, é mãe, avó, é a natureza
que me serena… nem que seja num dia já
deitado, num livro pleno de frases sem hiena, leões, palancas, zebra, macaco, planta ou seca, mesmo sem pó…
Aiuê, aiuê, “tou” numa margem que
“tu não me vê…”
(…)
ÁLVARO POEIRA* in Minha Terra!
*Alberto Poeira e Álvaro Poeira, são pseudónimos de António Manuel Monteiro Mendes
António Manuel Monteiro Mendes
VICTOR TORRES**
Rua Paulo Inácio Guerreiro, na Sanzala dos Brancos, em frente ao Rádio Clube do Namibe, com um areal convidativo para umas futeboladas e umas corridas aos “papa-areia” que por lá andavam a debicar a semente do capim, os pequenos passaritos que sempre nos enganavam com os seus movimentos repentinos, esses movimentos que nos deveriam ter servido de antecipação ao fim de um sonho que só soubemos depois que era um sonho nunca sonhado nem imaginado, tal a inocência que nos assomava.
Foram assim os últimos tempos. Os que nunca julgámos que iam acontecer.
E que nos serviram para os outros tempos na terra dos outros. E que nos ensinaram a sobreviver na chamada civilização e a ter uma capacidade de resiliência, a que chamo mais de teimosia, que nos levou a vencer as dificuldades da vida material, mas não da espiritual ou a do sonho.
Porque esse ficou lá, na terra, no sítio onde nascemos, onde brincámos, onde nos formámos moralmente, sim, lá na nossa terra, a que temos cá dentro e a que nunca nos podem tirar do nosso sentimento, pois lá está por amor, é esse o segredo.
Entendo o teu recuo quando te digo: “vamos, vai ver o que sobrou de ti, vai olhar para a baía, para a praia, vai poetar o teu íntimo com o que os teus olhos vêem, abre-te, vai com o coração e deixa a incerteza fechada no teu bolso, não percas o que ainda podes fazer”.
Será que ias desconseguir? Será que ali, já não te saía a poesia de dor que te transporta, mas antes a alegria do amor escondido desde que chegaste à Tuga, como lhe chamávamos?
E o que farias? Será que te ias reencontrar neste retorno? Ou que ficarias de novo a vaguear feito Cazumbi?
Vamos só mesmo tratar dos nossos no nosso Kimbo e continuar a viver nos sonhos, agora que sabemos que podemos contorná-los e adaptá-los a nós.
É esse o nosso poder, o de transformarmos, a nosso favor, o que acharmos…
…e a nunca mais nos expulsarem, pois o que temos no coração não se rende.
Vamo só na Poeira do Alberto poeirando no quintal do jipe, felizes, ao sol, de cabelos compridos ao vento como se o amanhã não existisse.
Companheiro, uma boa jornada!
** In Prefácio do livro “SUL“. Victor Torres é autor do livro “Caraculo a minha paixão | Deserto de Moçâmedes (Namibe) | Álbum fotográfico do século XIX e XX” (Ed. 2020). Kamba do autor em menino.
Álvaro Poeira***
Todos os textos são da autoria de António Manuel Monteiro Mendes, bem como os seus pseudónimos.
Nasceu em 1959. Numa pequena povoação no norte de Angola. Mavoio. Junto ao rio Tetelo. Filho de pais sem posses, mãe doméstica e pai serralheiro mecânico, viajou com eles e sua irmã, por Angola. Pouco tempo foi.
Em 1974, foi expulso da sua terra Natal.
Não conheceu a casa nem a terra onde a sua mãe o deu à luz. Veio como refugiado para Portugal. Quebrado.
Em estilhaços que ainda hoje tenta colar.
Tem três filhas de dois casamentos.
Viveu em tantas casas que só algumas retêm a sua memória.
Escreve desde sempre. Este é um pequeno grito de outros milhares que redigiu. Sabe, tem consciência que outros contos, lendas, prosas poéticas e poemas barafustar sob um Embondeiro,aclamando na sua justiça, pela identidade do autor, que aqui teriam lugar.
Não dá… Um dia, todas letras voarão por lá…
*** Alberto Poeira e Álvaro Poeira, são pseudónimos de António Manuel Monteiro Mendes