História da ANOP e NP (1975-1986)

História da ANOP e NP (1975-1986)

JORGE LACÃO in prefácio do livro “Heróis Anónimos: Jornalismo de Agência” (Ed. 2016)

Heróis anónimos: jornalismo de agência” fez perpassar sob o meu olhar – como certamente o fará perante o dos leitores que se embrenharem na leitura do livro – uma autêntica saga. A de quantos, ao longo de décadas, foram protagonistas de um verdadeiro drama, no caso o da emergência de uma comunicação social lutando por desempenhar essa função estruturante da liberdade que é a da realização do direito a informar e a ser informado.


O foco foi colocado, pelos autores, num ciclo temporal de meados da década de setenta a meados da de oitenta do século passado, seguindo as várias etapas dos primórdios, nascimento, crescimento, vigência, agonia, sobrevivência, morte e… ressurreição das agências noticiosas no nosso País. No mainstreaming da história feita de muitas histórias avulta, como não poderia deixar de ser, a ANOP e a Notícias de Portugal. Avulta, isso sim, uma impressionante recolha de dados, situações, percursos e testemunhos que põem em evidência as tensões, contradições, avanços, retrocessos e buscas de compromisso num tempo onde palavras como estabilidade política e tranquilidade de gestão parecem quase sempre arredadas. Não por qualquer arbitrariedade imposta pela revisitação histórica promovida pelos autores mas porque, efetivamente, os contextos da época visada projetam ao longo das densas páginas do livro um sem número de episódios e percalços a que sociedade e instituições estiveram sujeitas, em sucessivos processos de ajustamento e de tateante busca de novos caminhos.


A história das agências noticiosas aqui relatada está longe de evidenciar os variadíssimos sobressaltos do processo político – não é esse o objeto do livro – tal como ocorreram desde os alvores da Revolução de Abril. Porém, ao longo das suas páginas, é sempre bem visível o quanto as mutações políticas influenciaram (para não dizer determinaram) o destino das agências noticiosas, sempre dependentes, ontem como ainda hoje, do patrocínio financeiro público. Em face do que difícil seria conceber um estado de não controvérsia em relação a questões tão relevantes como as da salvaguarda da independência da atividade informativa, dos modos de ligação institucional às tutelas governamentais, das garantias destinadas a assegurar a autonomia de orientação por parte dos órgãos sociais das agências e, necessariamente, quanto à própria natureza destas. Clássicas empresas públicas? Entidades cooperativas? Regies-cooperativas? Com que cooperantes, os produtores de notícias (jornalistas e trabalhadores de agência) ou os utilizadores delas (os demais meios de comunicação social)? E, recorrentemente, que posição final do Estado na estrutura estatutária?


Para quem, como o autor deste despretensioso intróito, face às circunstâncias limitadas do mercado nacional dos media, sempre considerou o valor estratégico de uma agência noticiosa no perímetro público da comunicação social, o grande problema sempre foi o de saber como salvaguardar a atividade jornalística dos riscos de intromissão do poder político e, naturalmente, do poder económico.


Ao longo do tempo têm-se sucedido as respostas. Primeiro, na crença do papel decisivo dos conselhos de redação e, em geral, do (entretanto extinto) Conselho de Imprensa. Paralelamente, na consagração de órgãos externos de garantia da independência, objetividade e pluralismo da informação. Ocorreu assim, nos anos iniciais da democracia, com os conselhos de informação, cuja composição refletia a matriz partidária do parlamento e em muito prolongava uma visão partidocrática da função “fiscalizadora” dos meios de comunicação social. Mais tarde, com a extinção destes, sobreveio uma entidade independente com previsão constitucional, que, com diversos perfis de composição e competência, se foi afastando mais do registo partidário no desempenho das suas funções. Como quer que seja, com a diminuição do peso do setor público da comunicação social, a relevância dos órgãos de fiscalização oscilou entre ganhar e perder relevância, num quadro que é hoje mais pacificado quanto aos riscos das ingerências partidárias mas bem mais complexo no que diz respeito às exigências de transparência. Em particular no que diz respeito (ou deveria dizer) ao controle das estruturas de capitais das empresas, por um lado, e à defesa da natureza jornalística do exercício do direito a informar, por outro. Basta lembrar as transformações em marcha nas modalidades de acesso e partilha de material noticioso, na revolução tecnológica em curso nos domínios da comunicação e da informação, para percebermos o quanto as inovações ameaçam ir mais rápido do que as respostas institucionais suscetíveis de garantir a efetiva independência dos profissionais do jornalismo.


Ao mergulharmos na leitura de “Heróis Anónimos”, por não ser esse o propósito da obra, não encontraremos aí respostas doutrinárias para aquilatar da melhor ou pior validade e adequação dos modelos institucionais de comunicação. Mas encontraremos uma profusão de factos e sequências que dão dos acontecimentos vividos (por dentro, muitas vezes), em torno das agências noticiosas, um panorama extraordinariamente objetivo e exaustivo do que foram os seus dramas existenciais entre 1975 e 1986. Com muita investigação, rigor e exigência de verdade.


Através do livro fica documentada, através de um exercício impressionante de pesquisa e de registo, uma época de grandezas e misérias na comunicação social portuguesa. Acontecimentos, situações e vivências retratadas com preocupação constante pela tradução rigorosa do que foi, sem a interceção subjetiva dos autores. Que aonde se permitem deixar expresso algum juízo de valor, sempre o fazem na decorrência de uma clara e isenta documentação dos casos sobre que se pronunciam, com notável seriedade intelectual. No final, não parecem ter uma tese para provar. Antes, a preocupação de deixar para a posteridade a lembrança viva de um tempo pleno de marcas na vida de um sector tão relevante para a estruturação da sociedade democrática.


Também marcas de vida para muitos dos protagonistas que durante anos experimentaram um clima constante de incertezas e quanto ao futuro com que poderiam contar. À distância que a voragem do tempo implica, seria certamente estulto pretender esboçar juízos perentórios quanto a motivações e a resultados de muitos dos comportamentos descritos. Mas a prudência de julgamento não impedirá o leitor de se surpreender em relação a tantos procedimentos e caminhos erráticos com que se deparará neste livro. E não o impedirá de verificar quantas dessas errâncias foram o resultado de instrumentalizações demasiado obvias, quase sempre da responsabilidade direta ou indireta do poder político.


Na minha qualidade de Deputado cheguei a partilhar (como para o final do livro se dá conta) alguns dos momentos mais angulosos do debate político, particularmente em torno da situação da ANOP. Bem mais tarde, coube-me exercer uma fugaz tutela governamental em relação à LUSA, e restante sector da comunicação social, em todo o caso num contexto bem mais tranquilo face ao passado, em particular ao passado das agências noticiosas.


Em qualquer dos casos, de meados da década de 80 do século XX aos do final da primeira década do século XXI, o tema que sempre me acompanhou foi o de saber como garantir melhor a independência do direito a informar e a plenitude de realização do direito a ser informado. Hoje as ameaças, mais difusas ou concentradas, têm a sua sede principal nos poderes económicos privados, titulares maioritários dos meios de comunicação social. Não creio, todavia, que o risco das influências politico-partidárias possa ser dado como negligenciável. Pela simples razão de que, no caso em apreço, voltámos ao monismo de uma só agência noticiosa nacional carente do financiamento público e continuamos – e bem – a manter uma posição pública no setor do audiovisual, através da RTP e da RDP.


Quando, incidentalmente, na esfera governativa, admiti a possibilidade de agregação (sem perda de identidade) de algumas valências dos meios disponíveis no sector público, por exemplo para projetar uma rede mais consistente das delegações externas, tão importantes para a projeção internacional do País e para a diáspora portuguesa, bem como para a promoção internacional da língua, logo despertaram as tradicionais resistências à mudança que, ontem como hoje, são um pão nosso de cada dia.


O que todavia se impõe é fazer da transparência o alfa e o ómega das políticas públicas de comunicação social.


Transparência foi o que menos ocorreu nos conturbados processos que envolveram o destino das duas agências, com derivas kafkianas que à distância do tempo impressionam pelo que deixam revelado quanto à obsessão de manter sob influência política esse poderoso instrumento que constitui o serviço de informação de uma agência noticiosa.


No meio das tormentas, vários foram os pescadores de águas turvas e os relatos apresentados documentam-no suficientemente. O que mais ressalta, porém, é o esforço e a dedicação de muitos, que os autores qualificam de heróicos, anónimos uns ou melhor identificados outros, na concretização de uma vivência de liberdade democrática, então todos os dias reivindicada e frequentemente posta em causa ou em crise.


Depois de ler o livro, que por vezes faz lembrar um thriller, ocorre imaginar a construção de um argumento para uma obra de ficção, mas não menos realista, relativa às lutas do poder e às instrumentalizações de que é capaz.


Terá de ser sempre assim?


Como sempre, há uma resposta otimista e outra pessimista sobre a questão. E nenhuma delas é definitiva.

Wilton Fonseca, António Santos Gomes e Mário de Carvalho
Heróis Anónimos Volume 1
Heróis Anónimos Volume 1

E agora quem avança somos nós

E agora quem avança somos nós

Três editoras independentes, Panguila – Niterói (Brasil), Elivulu Editora (Angola) e Perfil Criativo – Edições (Portugal), todas iniciativa de angolanos instalados em três metrópoles de três continentes, Niterói no Rio de Janeiro, Luanda e Lisboa, avançam com uma parceria editorial criando a “Coleção Tricontinental“.

O objectivo é partilhar nos três países, Angola, Brasil e Portugal, uma colecção de livros de ficção e não ficção, de autores de língua portuguesa dos três continentes.

O primeiro volume estará disponível em Lisboa, a 5 de Agosto, no Rio de Janeiro, a 10 de Agosto (encomendas no Brasil: (+55 21) 991.889.312) e em Luanda depois da eleições.

Com o título “E agora quem avança somos nós” (Ed. 2022), é um romance de Jonuel Gonçalves que esgrima a ideia de que raça é máscara.

Na Feira do Livro do Porto os livros do nosso autor Jonuel Gonçalves, “E agora quem avança somos nós” (Ed. 2022), e “Economia e Poder no Atlântico Sul. África do Sul | Angola | Argentina | Brasil“ (Ed. 2022) vão ser “Livro do Dia”, a 3 de Setembro de 2022 (Sábado).

Disponível para encomenda em www.AUTORES.club

Programas paralelos no dia 2 de Julho de 2022

No próximo Sábado, 2 de Julho de 2022, os nossos autores, Luis Philippe Jorge e Jonuel Gonçalves , vão realizar sessões públicas em áreas diferentes e que podem ter interesse para os nossos leitores.


JONUEL GONÇALVES (JOSÉ GONÇALVES)

O Prof. Doutor José Gonçalves é economista e professor universitário em Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro, Brasil). Como autor assina os seus livros como Jonuel Gonçalves.

Relações entre Economia e Política no Atlântico Sul: panorama atual

Fórum Internacional: Atlântico Sul um sistema de economia política?

Grupo Soberania Nacional – UFU

Data: sábado 2 de Julho (18h00 às 20h00) – Hora no Brasil

Inscrição: cursosoberanianacional@hotmail.com

Com a inscrição recebe o link de acesso


LUÍS PHILIPPE JORGE

Psicoterapeuta (abordagem psico-orgânica – ortomolecular),
Especializado em Nutriterapia CFNA (Centro de Formação em Nutriterapia Aplicada – Bélgica)
Formador acreditado pelo CPFC (Conselho Cientifico-Pedagógico de Formação Continua, Braga)

 Seminário de Nutriterapia 

Como vencer o sobrepeso, a diabetes tipo 2 e integrar uma nutrição cardioprotectora”.

Data: sábado 2 de Julho (9h30 às 12h30, e das 14 às 17h30)

 Local: Espaço Amar, Rua Rosa Araújo, nº 34, 5º andar, 1250-195, Lisboa

Reservas e informações: (+351) 914 246 593

Esta imagem tem um texto alternativo em branco, o nome da imagem é como-reforcar-a-imunidade-proteccao-contra-o-covid-19-1.jpg

As pretensões de Itália a mandatos no Sul de Angola e Namíbia

As pretensões de Itália a mandatos no Sul de Angola e Namíbia

As Contas da República (1919-29) e os Anos Loucos de Wall Street ou como o Crash de 1929 influenciou o Acto Colonial e adiou a autonomia de Angola (Ed. 2020)

Rating: 4 out of 5.

As pretensões de Itália a mandatos no sul de Angola e Namíbia

Capítulo 2: Álvaro Henriques do Vale

Quando em 1919 se firmou a nova geopolítica europeia e surgiram os novos Estados emergentes do antigo Império Austríaco ‒ a América comprou a dívida pública à Bélgica, recebendo como garantia facilidades no Congo Belga ‒ estavam lançados os dados para a mais grave crise que afectaria o Estado português desde a bancarrota de 1890-92, numa altura em que a recém-fundada Sociedade das Nações agendara as autonomias dos territórios ultramarinos, directiva que incidiu mais nos apetecíveis territórios portugueses de Angola e Moçambique. Autonomias que, a verificarem-se, seriam um primeiro passo para futuras independências políticas.


Esta medida foi uma advertência à República portuguesa para se preparar, porque as coisas jamais seriam como antes da Primeira Guerra, até pela saída da Alemanha das suas colónias, embora as grandes empresas germânicas de alta indústria se tivessem mantido, designadamente na maquinaria ferroviária, rebocadores, dragas e tecnologias para exploração mineira, acompanhadas da Banca, seguros e shipping. De qualquer forma, a Alemanha seria a mais afectada, ao ficar esbulhada em mais de 2,6 milhões de Km2 de território ultramarino, mais do que Angola e Moçambique juntos.


A entrada de Portugal na Primeira Guerra tivera como objectivo primordial a manutenção do Ultramar, e num país de fracos meios e uma dívida de guerra de 25 milhões de libras à Inglaterra, havia que ponderar as medidas agendadas pela Liga das Nações. Para evitar falatório e especulações quanto ao lobby anglo-saxónico à volta de Angola, terá sido acordado ou sugerido nos bastidores diplomáticos a concessão à Itália de uma faixa de território no norte da Namíbia e uma franja no sul de Angola, isto para consolidar a influência latina e católica. A região ganharia escala económica, uma vez instalada a Itália, país de muitos quadros e recursos. E seria uma forma de obviar os muitos desmobilizados de guerra, e os problemas com se defrontava a sociedade italiana que, desde as vésperas das eleições de Novembro de 1919, passaria a estar sob grandes tensões sociais, à beira de uma guerra civil.

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