29/10/2025 — O monumental Padrão dos Descobrimentos, em Belém, foi o cenário escolhido para o lançamento oficial do livroA Primeira Travessia da África Austral, de José Bento Duarte, numa cerimónia que se transformou num marco de reencontro entre a História de Angola e a História de Portugal.
O evento reuniu personalidades de relevo das duas nações: representantes da Embaixada da República de Angola em Portugal, da Liga Africana, do Estado-Maior-General das Forças Armadas Portuguesas, da Academia da Força Aérea, além de membros de instituições civis e militares de ambos os países.
Na mesa de honra destacaram-se o Engenheiro Miguel Anacoreta Correia, o Prof. Doutor Carlos Mariano Manuel, que se deslocou de Angola especialmente para o evento, o editor João Ricardo Rodrigues, e o próprio autor José Bento Duarte. O Dr. José Ribeiro e Castro, Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, enviou uma mensagem em vídeo, impossibilitado de comparecer por compromissos de agenda (ver vídeo da transmissão em directo).
Eng.Miguel Anacoreta Correia,Dr. José Ribeiro e Castro,Prof. Doutor Carlos Mariano Manuele o autor José Bento Duarte
Um encontro de angolanos em Lisboa que ecoou desafios à História
O lançamento revelou-se mais do que uma celebração literária: foi um encontro de angolanos em Lisboa que lançou desafios históricos e culturais às instituições portuguesas.
O autor, José Bento Duarte, de uma família muito antiga do sul de Angola, defendeu com veemência a necessidade de corrigir erros históricos e administrativos que, segundo ele, “por discriminação ou descuido”, apagaram da História de Portugal dois heróis luso-angolanos: Pedro João Baptista e Anastácio Francisco, os verdadeiros primeiros exploradores a realizarem a travessia documentada da África Austral.
“Seria um acto de justiça democrática, 50 anos após a independência de Angola, reconhecer e repor a verdade sobre estes dois heróis. A História deve ser corrigida, e é aos olhos da Democracia que o pedimos”, afirmou o autor, num discurso direto à Câmara Municipal de Lisboa e às instituições portuguesas.
História, reparação e justiça
O Prof. Doutor Carlos Mariano Manuel, prefaciador da obra e considerado o mais importante historiador da República de Angola, sublinhou que Portugal tem hoje uma oportunidade única de fazer justiça histórica.
“Reconhecer o papel de Pedro João Baptista e Anastácio Francisco é um gesto de reparação. É afirmar que a História da África Austral também foi escrita por africanos, e que estes devem ocupar o lugar que lhes pertence na memória comum”, afirmou.
Carlos Mariano Manuel foi ainda mais longe, propondo uma reflexão sobre o próprio nome do Padrão dos Descobrimentos, sugerindo que venha a chamar-se “Padrão das Expedições Marítimas Portuguesas”, uma designação mais inclusiva e historicamente ajustada.
E lançou um desafio simbólico e poderoso:
“Peço aos portugueses que investiguem onde está a coroa do Rei do Congo, Dom António I, Muana Malaza, herói e mártir da Batalha de Ambuíla. Encontrá-la seria um acto redentor.”
A voz da História partilhada
O Engenheiro Miguel Anacoreta Correia, que nasceu em Moçambique e cresceu no sul de Angola, recordou a figura de David Livingstone, destacando as contradições do explorador britânico, que, embora admirasse os portugueses, pretendia reservar toda a glória para os britânicos e os europeus brancos, excluindo os africanos.
“Livingstone elogiava os portugueses, mas omitia os africanos. Essa exclusão precisa de ser corrigida na narrativa histórica. Os africanos também foram protagonistas das grandes travessias e explorações”.
O apelo do editor: uma História em construção
Durante o encontro, o editor João Ricardo Rodrigues, da Perfil Criativo | AUTORES.club, apelou às instituições históricas portuguesas, como a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Academia Portuguesa da História e a própria Câmara Municipal de Lisboa, para que assumam uma posição pública sobre os factos revelados na obra.
“Estas instituições confirmaram presença, mas não compareceram. É tempo de abrirmos os olhos para a História que partilhamos. Este livro é um convite à verdade”.
O editor recordou ainda que o evento coincidiu com o 360.º aniversário da Batalha de Ambuíla (1665), acontecimento determinante na História de Angola e do Reino do Congo. Citando o Prof. Carlos Mariano Manuel, lembrou que “se quem escolheu o 11 de novembro como data da independência de Angola conhecesse profundamente a nossa história, teria escolhido o 29 de outubro”.
Um final inesperado e simbólico
No encerramento do evento, um momento inesperado emocionou os presentes: o jovem músico angolano Gari Sinedima, que se encontra em Lisboa, realizou uma performance espontânea em homenagem à origens comuns com o autor, num registo cultural do Sul de Angola. Foi um gesto de gratidão, mas também uma afirmação simbólica da ligação viva entre as gerações angolanas e o seu património.
Gari Sinedima
Um novo capítulo para a História Luso-Angolana
O lançamento de A Primeira Travessia da África Austral foi mais do que uma apresentação literária, foi um ato de afirmação cultural e de revisão histórica, com ecos que ultrapassam a literatura e tocam a diplomacia.
O evento, transmitido em direto por Victor Hugo Mendes e disponível em vídeo, marca o início de uma série de artigos que o portal AUTORES.club publicará nos próximos dias, aprofundando as intervenções de cada participante e os desafios lançados ao conhecimento histórico entre Angola e Portugal.
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